Olhe bem a floresta

O mundo vê o PERD, mas será que as populações do seu entorno também o enxergam?

Recém-ingressado em sua oitava década de existência, o Parque Estadual do Rio Doce ainda vive uma certa “crise” de popularidade. Mesmo gozando de reconhecimento internacional, abrigando diversos projetos científicos em desenvolvimento e com uma infraestrutura que permite acolher diferentes perfis de turistas, o Parque convive historicamente com índices modestos de ocupação.

Além das trilhas e do acesso à Lagoa do Bispo, a mais importante do complexo, área de camping e alojamentos, outros atributos permanecem invisíveis para grande parte do público, tanto do Vale do Aço, quanto do restante do Brasil. A vida diversa que pulsa na mata do Parque é o bem mais precioso que a instituição abriga, e a possibilidade de estabelecer um contato direto e harmônico com este ecossistema deve ser melhor difundida. Quem conhece, conserva.

A 1ª edição do Prêmio PERD de Fotografia Criativa tem como objetivo central, portanto, o estímulo ao reconhecimento e ao pertencimento dos moradores da Região Metropolitana do Vale do Aço com relação ao PERD.
E a estratégia para alcançar essa aproximação é proporcionar maior visibilidade das experiências oferecidas no Parque através da imagem. Não apenas a imagem institucional que a própria entidade difunde de si própria, mas também pela liberdade criativa dos olhares curiosos que contemplam o Parque em seu cotidiano.

Assim, a convocatória para este concurso teve como propósito o desvelamento de experiências pessoais do contato direto com a Mata Atlântica. E quão surpresos não ficamos ao final da etapa de inscrições, quando constatamos o recebimento de 377 imagens advindas de diversos estados brasileiros, feitas por quem registrou seu deslumbre diante de vossa majestade, a floresta.

E se o título do concurso inclui a expressão “fotografia criativa”, os concorrentes nos ofertaram com muitas outras virtudes, que tornaram quase hercúlea a tarefa de selecionar “apenas” 27 imagens (o plano original eram 25) para a exposição.

Entre as imagens vencedoras, temos a sensibilidade artística de Luiza Kot, que nos apresenta a fotografia “Reflexões”, uma imagem quase minimalista, mas que demonstra um primoroso domínio sobre a cor, em uma paleta de nuanças sutis, e uma geometricidade que, simultaneamente, nos deleita, nos confunde, nos inquieta, uma abstração que poderia ter inspirado Lygia Clark ou, quem sabe, Kandinsky. Gaia, a Mãe-Terra do mito grego, aqui reflete a si mesma: estaria observando seu reflexo na água – este elemento tão abundante na constituição da biota do PERD – como um ato de autoconsciência?

A seguir, somos apresentados ao rigor técnico que Ricardo Caldeira emprega na construção de sua imagem sem título, com a qual ele reinterpreta umas das vistas mais conhecidas do PERD, capturada continuamente por muitos dos visitantes que são atraídos a subir a escadaria do mirante do lagarto (assim conhecido devido a sua forma arquitetônica). A foto de Ricardo – produzida com o recurso da longa exposição fotográfica aliada a um conhecimento sobre astrofotografia –, parece, entretanto, tentar reestabelecer uma conexão cósmica da qual, desde o início da Era Moderna, a humanidade parece paulatinamente se distanciar: somos todos natureza, vivemos sob um mesmo céu, este céu que, como previu o xamã yanomami Davi Kopenawa, em seu poderoso livro “A Queda do Céu”(2010), pode figurativamente desabar sobre nossas cabeças se a relação do ser humano com o meio ambiente não sofrer uma transformação radical urgente.

Por fim, entre os três vencedores, temos a imagem de um dos habitantes mais populares da mata do parque. O macaco prego é famoso por tapear os visitantes com sua graça, enquanto age furtivamente para surrupiar uma guloseima qualquer que algum distraído deixou dando sopa. Mas na fotografia de Renato Viotti, a mamãe-macaco insurge da mata com um olhar incrédulo, seu pavor nos obriga a supor diante de quê ela se assombra. Seria mais uma façanha humana?

Além das três fotografias premiadas no concurso, temos ainda outras 24 selecionadas para esta exposição, missão não menos árdua para o júri, haja vista que, entre profissionais e amadores, os candidatos inscritos estabeleceram um padrão extraordinário para o conjunto de obras. O sarrafo tá bem alto.

Em todas essas imagens, o PERD se dá às mais diversas formas de representação, em fotos que valorizam desde detalhes microscópicos até a vastidão das imagens aéreas.

De forma geral, todas as fotografias selecionadas são um reconhecimento a este tesouro ecológico que margeia o Vale do Aço, e que carrega títulos improváveis: além de se constituir como a maior reserva contínua de mata atlântica de Minas Gerais, é também conhecida como o 3º maior complexo lacustre do Brasil, atrás apenas da Amazônia e do Pantanal. São 40 lagoas que chancelam a importância ambiental desta área alagada, não só para a região que a abriga, mas para o mundo.

Uma joia do Doce que resiste a recorrentes ofensivas motivadas por interesses particulares escusos que tensionam as fronteiras legais do Parque, movidos pela cobiçada exploração destrutiva. E resiste também graças a uma gerência de pulso firme e a uma legião de heroicos colaboradores que defendem a mata agindo energicamente para extinguir o fogo da ganância.

Por sua vez, o Prêmio PERD de Fotografia Criativa surge como mais uma forma de levar o Parque às pessoas, e vice-versa. Sob a certeza de que, para aprender a conservar, é preciso conhecer.

Rodrigo Zeferino
Curador